ATÉ ONDE VAI A RESPONSABILIDADE DA IGREJA NA EDUCAÇÃO DO MEU FILHO?
Até onde vai a responsabilidade na igreja na
educação do meu filho? Não sei. Deve ir até o máximo possível. Só que a igreja
não deve ser a única fonte de educação cristã para meu filho. O peso do lar
deve ser, sempre, maior. Cada vez mais se generaliza entre nós a idéia de
passar responsabilidades para instituições. Criamos organizações para fazer
trabalhos que deveriam ser nossos e nos eximimos de responsabilidade. Vemos
isto até em nível eclesiástico. Criamos juntas missionárias, damos-lhes ofertas
e julgamos que toda a nossa responsabilidade é efetuar uma contribuição anual.
Sustentamos pessoas para nos ensinarem sobre Deus, para ensinarem nossos
filhos, e, como pagamos, podemos ficar à margem esperando que os assalariados
cumpram seu dever. De quem é, realmente, a responsabilidade pela educação
cristã de nossos filhos, de sua conversão e de sua instrução na fé? Comecemos
olhando o Antigo Testamento.
1. O ENSINO NO
JUDAÍSMO
Lemos em Deuteronômio 6.4-7: “Ouve, ó Israel; o
Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o
teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças. E estas palavras,
que hoje te ordeno, estarão no teu coração; e as ensinarás a teus filhos, e
delas falarás sentado em tua casa e andando pelo caminho, ao deitar-te e ao
levantar-te”. A primeira frase é o xemá, a maior afirmação teológica do
judaísmo. Trata da unicidade de Deus. Se o judaísmo perder todo seu ensino, mas
preservar Deuteronômio 6.4, seu conteúdo se preservou. O xemá está para os
judeus como João 3.16 está para nós. Esta herança teológica dos hebreus deveria
ser ensinada em casa, pelos pais. Eles deveriam falar aos filhos, em casa, no
campo, na rua, em todo momento. O judaísmo sobreviveu em culturas hostis, sem
templo (não tem seu templo desde o ano 70), em muitos lugares sem sinagogas e
sem mestres de religião. Tem sobrevivido porque é uma religião ensinada em
casa. Morei em Manaus por cinco anos. Lá não havia sinagoga, pois não havia
número suficiente de judeus para organizar uma. Mas havia judeus porque havia
casas de judeus. A concepção é que a fé é uma herança familiar, um tesouro que
os pais transmitem aos filhos.
2. A ASSIMILAÇÃO NO
CRISTIANISMO NEOTESTAMENTÁRIO
O cristianismo assimilou esta postura dos judeus.
Lemos em 2Timóteo 1.3-5: “Dou graças a Deus, a quem desde os meus antepassados
sirvo com uma consciência pura, de que sem cessar faço menção de ti em minhas
súplicas de noite e de dia; e, recordando-me das tuas lágrimas, desejo muito
ver-te, para me encher de gozo; trazendo à memória a fé não fingida que há em
ti, a qual habitou primeiro em tua avó Loide, e em tua mãe Eunice e estou certo
de que também habita em ti”. Paulo, o maior dos fariseus, aprendeu sua fé de
seus antepassados. Sua experiência de conversão foi a mais fantástica da
história e ele colocou sua vida a serviço de Cristo. O jovem pastor Timóteo já
era a terceira geração de cristãos. Aprendera a fé da mãe, que aprendera da
avó. Dois grandes homens de Deus que aprenderam a fé desde o berço. Um, errado,
mas Cristo consertou, aproveitando sua herança espiritual. Outro, certo. A
graça de Deus manteve. Da mesma forma sucedeu com o segundo evangelista,
Marcos. Era ele um adolescente, quando o cristianismo começou. Sua casa era
ponto de encontro dos primeiros cristãos. Lemos em Atos 12.12: “Depois de assim
refletir foi à casa de Maria, mãe de João, que tem por sobrenome Marcos, onde
muitas pessoas estavam reunidas e oravam”. Após sua experiência miraculosa de
libertação, Pedro foi para a casa da mãe de João Marcos. Esta casa era uma
autêntica igreja. Mais tarde, bafejado pelo ambiente em que fora criado, Marcos
se tornou missionário e o segundo evangelista. Do ensino do Antigo e do Novo
Testamentos, deduzimos que a transmissão doméstica é muito eficiente. Os filhos
guardam o que aprendem. Nosso filho Beny tem 29 anos. É arquiteto em “outro
país”, o Pará. Uma vez, Meacir lhe perguntou do que ele mais lembrava de sua
infância. Ele respondeu que era de quando ela o colocava na cama e cantava com
ele: “Ó Jesus bendito, se comigo estás, eu não temos a noite, vou dormir em
paz”. Foi reconfortante! Quando há falha doméstica, o desastre já sucedeu. Uma
igreja bem organizada e com um programa de educação cristã infantil poderá
ajudar. Mas muito da eficiência se perdeu. Quando os pais falham em prover uma
educação cristã segura para os filhos, além de prejudicá-lo, sobrecarregam a
igreja e prejudicam a esta, também. Tudo começa em casa.
3. A FALHA NA
TRANSMISSÃO
Muitos lares têm falhado na transmissão da fé.
Lemos em Juízes 2.10-13: “Foi também congregada toda aquela geração a seus
pais, e após ela levantou-se outra geração que não conhecia ao Senhor, nem
tampouco a obra que ele fizera a Israel. Então os filhos de Israel fizeram o
que era mau aos olhos do Senhor, servindo aos baalins; abandonaram o Senhor
Deus de seus pais, que os tirara da terra do Egito, e foram-se após outros
deuses, dentre os deuses dos povos que havia ao redor deles, e os adoraram; e
provocaram o Senhor à ira, abandonando-o, e servindo a baalins e astarotes”.
Houve uma falha. A experiência tão profunda de libertação e da peregrinação,
que deveria ser ensinada aos filhos, não aconteceu. Uma geração inteira se
desviou. Geralmente, a terceira geração de um convertido é a faixa onde mais
acontecem desvios da fé. Esta se torna algo cultural e não vivencial. Por isto
que o maior campo de evangelização de um cristão é sua própria casa. Há pais
que não educam. Deixam tudo para a escola, que tem que ministrar a instrução
secular, acadêmica, e ensinar princípios comezinhos de educação. Um dia desses
eu estava no Jaraguá. Um grupo de adolescentes ajuntou algumas mesas e se
reuniu. Em questão de minutos, o chão do shopping estava cheio de papéis e
resto de comida. Quando se levantaram, deixaram todas as cadeiras fora do
lugar. Isto minha mãe me ensinou: não jogue lixo no chão e ponha a cadeira no
lugar, quando se levantar. Outra coisa aprendida em casa: quem chega se
apresenta. As pessoas, hoje, ligam para a casa dos outros, invadem sua
privacidade, e perguntam: “Quem tá falanu?”. O certo é se apresentar e
perguntar por alguém. O pior é quando perguntam: “Quem?”. Isto é abominável.
Sempre me recuso a responder a esta chegada de alguém na minha casa tendo eu
que me identificar. Quem chegou que se apresente. O lar está deixando de
ministrar educação em termos de etiqueta social. Coisas que mostram a finesse
da pessoa. Winnicott tem um livro intitulado “Tudo começa em Casa”. A casa é a
fonte primeira de valores, porque uma das funções da família é a socialização
da criança. E a casa cristã tem como uma de suas funções primordiais a
evangelização das crianças. Lembrei-me de um livro da Juerp: Valores se
aprendem no lar. Se o lar não ensina, escola e igreja ficam prejudicadas.
Porque a educação, as boas maneiras, a civilidade, se aprendem em casa. As
escolas e as igrejas estão lidando com mauricinhos e patricinhas que são
selvagens com roupas de grife. Gente sem educação e respeito. Porque o lar tem
falhado. Aí, o trabalho das outras partes fica prejudicado.
4. O PAPEL DA
IGREJA
A igreja não substitui a família, mas suplementa-a.
Pode ser uma aliada do lar na tarefa de evangelizar os filhos. Entre a igreja e
o lar não deve haver uma relação de um substituir o outro, mas de os dois se
complementarem. Neste sentido, uma das áreas em que mais temos que investir na
igreja é no trabalho com crianças e adolescentes, no treinamento e sustento de
pessoas para estas atividades, e na estruturação do trabalho de forma
eficiente. Considerando estas coisas, desejo apontar seis sugestões para
compatibilizarmos as forças igreja e lar, na educação cristã de nossos filhos
- Faça o culto doméstico, mas não centre tudo nele.
Seu valor não poder minimizado, mas não deve ser absolutizado. Pode ser
mais um culto chato para a criança, como já pode ser chato, para ela, o
culto na igreja. Seria insensato de minha parte negar o valor do culto
doméstico, mas preocupa-me ver que alguns pais colocam toda a educação
cristã repousada nele. Meu receio é que a relação com Deus seja mostrada
para a criança como algo que só se processa em níveis formais. Lembrando o
texto de Deuteronômio, onde o xemá está inserido, as realidades
espirituais devem fazer parte do cotidiano e não apenas do formal. Mas
acostume-se a cultuar a Deus com seus filhos.
- Mostre que você leva o evangelho a sério. Valorize os padrões do
evangelho. Ser um santo na igreja e um demônio em casa não ajuda muito.
Viva o evangelho em casa. Isto não significa cantar hinos o dia todo nem
ler a Bíblia vinte e quatro horas por dias. Significa ser coerente. Seja
cristão no trato com o cônjuge, no trato com os próprios filhos, nos
negócios. Santidade na igreja e esperteza (aquela famosa esperteza que
nós, brasileiros, achamos que temos e que o mundo todo é mané, enquanto o
mundo prospera e nós patinamos) nos negócios não combinam. A palavra aqui
é integridade. Integridade não significa ausência de falhas. Significa
ausência de brechas. A pessoa é compacta, é coerente. Seja coerente.
- Mostre que você leva a igreja a sério. Há pais com freqüência
irregular à igreja. São assistentes episódicos de cultos, sem se engajarem
nas atividades e na vida da igreja como um todo. Mas fazem questão que os
filhos vão. Estão simplesmente dizendo o seguinte: “Igreja é bom para
você, que é criança. Para nós, adultos, não é tão necessária”. Quando a
criança se tornar adolescente e desejar se mostrar como adulta, imitará
seu comportamento. Os pais ensinaram que havia uma hora de sair da igreja.
E o filho achou que era a hora. Mas se a criança vê a igreja como uma
paixão na vida dos pais, logo se mostrará apaixonada pela igreja.
- Não trate das falhas dos outros na frente dos
filhos. Há
almoços cristãos em que a sobremesa é o pastor ou algum outro líder da
igreja. A figura do pastor, da professora da EBD, de algum líder que a
criança passa a admirar, é demolida. Isto é desastroso. Quando
seminarista, fui convidado para almoçar com uma família da igreja onde eu
trabalhava. Eu tinha 22 anos e eles, um filho de quinze, que gostava muito
de mim. Mas o rapaz vinha se afastando da igreja aos poucos. Naquela
semana, dormira detido numa delegacia (ainda não havia a legislação que
há, agora, para menores). Os pais queriam que eu conversasse com o filho.
Durante o almoço, o pastor foi impiedosamente malhado. Fiquei tão
impressionado que, quando aquela igreja, no fim daquele ano pensou no meu
nome para o seu pastorado (o pastor acabou renunciando), não manifestei
interesse. Depois da “sobremesa”, um prato chamado “malhação da vida
alheia”, porque sobrou para os demais membros da igreja, o casal me disse:
“Bem, irmão, vamos deixar vocês dois aí para baterem um papinho”.
Encurtando a história: o rapaz se desviou mesmo da igreja. Não era um
seminarista de 22 anos que consertaria o estrago que os pais vinham
fazendo. Não ataque a reputação dos outros. Seja cuidadoso com seus conceitos.
- Ore pelos filhos. Lemos em Jó 1.5: “E sucedia
que, tendo decorrido o turno de dias de seus banquetes, enviava Jó e os
santificava; e, levantando-se de madrugada, oferecia holocaustos segundo o
número de todos eles; pois dizia Jó: Talvez meus filhos tenham pecado, e
blasfemado de Deus no seu coração. Assim o fazia Jó continuamente”. Jó era
o sacerdote dos filhos. Intercedia por eles todos os dias. Há pais que são
delegados, censores, inspetores, mas não intercessores. São tudo, mas não
são evangelistas. Você ora pelos seus filhos? Ter um filho é muito bom.
Mas é um peso. Não de dor; de glória, mas é peso. Candidatos a pais devem
saber que nunca mais serão as mesmas pessoas. Terão alegrias com os
filhos, mas chorarão com eles e por eles, sofrerão com eles e por eles. E
nunca, mas nunca mesmo, poderão deixar de orar por eles. Filhos não são
bichinhos de estimação. São pedaços nossos, fora de nós, que não podemos
controlar e que doem mais em nós que a parte que está em nós. Sustente
seus filhos em oração.
- Dê bom material evangélico a seus filhos. A televisão é a babá de
muitas crianças. Ou estou me tornando muito sofisticado, intelectualmente,
ou estou ficando um velho ranzinza. Televisão é uma mediocridade terrível.
Quando pensamos que chegou ao fundo do poço, ela consegue descer mais.
Filmar suicídio ao vivo foi uma das maiores ignomínias que já vi. Vale
tudo em busca de audiência. Mas é este lixo a que submetemos nossos
filhos. Eis uma boa observação de Perrota, em Controlando a Tv-mania: “Em
certo sentido, a televisão, na realidade, acelera o processo de
crescimento. As crianças hoje tornam-se familiares ao estilo adulto, ao
seu tipo de entretenimento, linguagem, comportamento sexual, independência
e cinismo mais cedo que seus pais e avós. Mas a exposição precoce às
imagens do mundo adulto não é um atalho para a maturidade, porque, de
fato, não há atalhos” (Juerp, p. 56). Em vez de permitir que seus filhos
recebam conceitos e uma filosofia de vida que ainda não estão capazes de
filtrar e, assim, assimilam acriticamente, dê-lhe coisas boas para ler.
Mas leia. Há livros e revistas que possuem mensagem. Cultive você as
coisas boas e reparta-as com seus filhos. Participe da educação deles em
vez de entregá-la aos outros ou a máquinas.
Como sempre, há
mais coisas que poderiam ser ditas. Estas não bastam, mas deve haver um limite.
Penso que algo ficou bem claro: a educação repousa sobre os pais. Os pais são
os maiores responsáveis pela formação dos filhos. Não é a “tia” na escola ou na
igreja. Não é o pastor nem o louvor que vão segurar nossos filhos na igreja.
Eles permanecerão na igreja e na fé se aprenderem de nós que a relação com
Cristo é vivencial, passional, e não formal. Que a igreja tem valor para nós e
é para nós o melhor lugar do mundo. Se virem na nossa vida as marcas de um
caráter cristão, que estamos dispostos a viver, lutar e sofrer pela nossa fé.
Se virmos a igreja como entretenimento, perderemos, pois há entretenimentos
mais empolgantes para adolescentes. Até onde vai a responsabilidade na igreja na
educação do meu filho? Nunca me fiz esta pergunta. Minha pergunta sempre foi
esta: o que eu faço para que meus filhos sejam cristãos autênticos?
Por Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho.